Nassim Taleb: Não seja um peru de Natal nos investimentos

O mundo dos investimentos não é nada fácil de lidar, principalmente nos ativos de renda variável. Por um momento temos ótimos lucros com nossos investimentos, porém outras situações podem nos tirar tudo que anteriormente conquistamos, isso se não tivermos um controle emocional e pulso firme para suportar os momentos adversos, assim como saber o que fazer nesses períodos conturbados e se preparar para eles.

Mas afinal, como saber o que fazer se são acontecimentos que muitas vezes não conseguimos prever? Será que é possível adivinharmos que, por exemplo, o preço do bitcoin saltaria de R$ 28,00 para R$ 100.000,00 em 7 anos? Ou que empresas como Facebook, Amazon, Google e as demais gigantes do mercado alcançariam tanto valor como vemos hoje?

De fato se isso tudo fosse possível, poderíamos transformar a nossa vida em uma simples decisão que tomassemos, assim como poderíamos evitar coisas extremamente negativas que pudessem acontecer também.

No livro “A lógica do Cisne Negro”, o autor Nassim Nicholas Taleb, descreve muito bem como os eventos que não sabemos que podem acontecer acabam sendo às vezes mais marcantes do que qualquer outro acontecimento em nossas vidas.

Dessa forma, a leitura desse livro e de outras obras do autor, acabam sendo muito populares no mercado financeiro e no meio dos investidores, principalmente aqueles que têm um apetite maior ao risco em seus investimentos. 

Com uma boa parte voltada a filosofia e também com questões voltadas a estatística, esse livro se torna uma importante reflexão para se entender como as variáveis da nossa vida acabam sendo tão essenciais de se lidar quanto o esforço que fazemos para entender ainda mais aquilo que já sabemos.

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Quem foi Nassim Taleb?

Nassim Taleb nasceu em 1960, no Líbano. Sua criação foi na religião greco-ortodoxa, no qual passou a ser sua crença que baseou toda sua vida. Acabou ficando muito conhecido por ser um dos maiores teóricos referente a probabilidade, tomada de decisões e gerenciamento de riscos.

Taleb deixou o país junto com sua família por conta de uma guerra civil. Na França acabou se formando em economia na Universidade de Paris. Na Wharton School, que é uma instituição relacionada a Universidade da Pensilvânia nos EUA, foi onde ele fez uma MBA e acabou se tornando um dos destaques históricos da universidade por conta de sua fama vista mais tarde.

Com mais de 70 artigos escritos, no qual sua maior especialidade era sobre estatística e a filosofia de riscos, escreveu também diversas outras obras que ficaram bastante conhecidas, através da coletânea denominada “Incerto”.

Mas foi após mudar-se para os EUA que seu nome começou a ganhar mais força entre os investidores e instituições ligada aos investimentos. Construiu uma fortuna através de seus investimentos, mesmo em meio às crises financeiras que acabou vivenciando ao longo de sua vida, inclusive conseguindo antecipadamente prever a crise de 2008.

Nassim Taleb foi investidor durante 21 anos, e hoje atua como assessor da Universa Investments e também professor de engenharia de risco da Universidade de Nova York. Foi trader durante um bom tempo na bolsa de Wall Street, onde conseguiu alavancar uma fortuna em suas mãos e adquirir sua independência financeira.

A teoria do Cisne Negro

O Cisne Negro representa algum acontecimento fora do comum, ao qual Nassim Taleb também vê como uma oportunidade de mudanças e transformações na maioria das vezes. Até o século XVII não era conhecido a existência de um cisne que fosse negro dentro do meio científico. Isso mudou quando pesquisadores encontraram um no meio da Austrália.

Mesmo que fosse encontrado, esse cisne representou, na verdade, um acontecimento isolado para a época, ou seja, que não se previa encontrar, sendo algo a par do que geralmente acontecia. É nesse tipo de raridade de acontecimentos, que Nassim Taleb tenta basear suas teorias que são muito usadas no mundo dos investimentos e até por isso acaba associando-os a esse animal.

Em sua obra “Iludidos pelo Acaso”, Taleb acaba mostrando que acontecimentos não funcionam por fatores simples de causa e efeito, e que mais importante que isso é saber prever a probabilidade que acontecimentos extraordinários aconteçam, e sair mais forte desse tipo de ocasião.

Na ideia do Cisne Negro, o autor destaca a importância de acontecimentos de extremas consequências, de forma incomum e com uma raridade à beira da impossibilidade de previsão, de forma que quem vivencia isso, acaba entendendo o ocorrido só depois que as consequências já passaram.

Nassim Taleb busca a todo mundo em suas obras, orientar o leitor a não ter medo dos acontecimentos fora do comum, mas sim que este esteja preparado e possa prever em certo grau a possibilidade de acontecer esse tipo de coisa, a fim de aproveitar qualquer estado de caos para poder ganhar e sair mais fortalecido de todos os acontecimentos.

Dessa forma, introduz o conceito de antifrágil, que é muito associado a sua figura, dentro do qual explicaria o contrário de frágil, que é na verdade quem não é atropelado por esses momentos inesperados, diferentemente do que muitos colocam como uma pessoa antifrágil, que seria alguém que tenha resiliência e superação de consequências ruins depois que elas já ocorreram.

No mundo dos investimentos, Nassim Taleb sempre foi a favor da exposição dos investidores aos riscos, porém de forma inteligente. Um simpatizante da ideia de Barbell, ao qual teria como princípio em sua teoria, a formação de uma carteira com menores riscos de que se quebrar totalmente, alocando recursos em um intervalo de 60% a 90% em ativos de menor risco e de 10% a 30% em ativos ainda mais despojados.

Nessa linha de pensamento, o lucro poderia ser muito alavancado em situações extraordinárias para os ativos da faixa de 10% a 30%, mas caso não dessem certo, na pior das hipóteses, o prejuízo não ultrapassaria 30% do total.

Não seja um peru

O Cisne Negro tão citado por Nassim Taleb, origina-se da ideia de todos os acontecimentos históricos que marcaram a vida das pessoas. Sejam catástrofes ou revoluções positivas na humanidade. Infelizmente, os momentos ruins imprevisíveis ou melhor, os Cisnes Negros ruins, acabam se destacando na nossa vida muitas das vezes.

Durante a quebra do banco Lehman Brothers, por exemplo, em 2008, ao qual sucedeu toda crise financeira e da bolsa de valores, muitos investidores perderam fortunas, venderam seus ativos, e nunca mais recuperaram boa parte do seu dinheiro até os dias de hoje.

Esse tipo de investidor, que se fragiliza totalmente em acontecimentos inesperados, é o que Nassim Taleb comparou ao peru de Ação de Graças, e que aqui no Brasil, por questões culturais, costuma ser atribuído ao peru de Natal.

O “problema do peru” como ficou conhecido e descrito pelo autor, demonstra a fragilidade do ser humano em prever momentos como o do Cisne Negro, de modo que grande parte das pessaos acabam vivendo em ciclos de perdas e ganhos sem sair do lugar.

Imagine que um peru tem um ciclo de vida de 1000 dias. Ele é alimentado durante esses 1000 dias, e após isso, é morto durante o dia de Ação de Graças para servir de alimento para as pessoas, no seu 1001º dia.

Durante todo esse período, ele é cuidado por uma família aparentemente bondosa, que lhe dá refeição todos os dias, sem receber nada em troca. Na força do hábito, o peru se acostuma com os bons momentos e jamais cogita que as mesmas pessoas que o alimentam, mais tarde irão matá-lo. Assim chega o dia de Ação de Graças, e toda bondade da família que cuidou dele vai por água abaixo e sua vida acaba por ali.

Essa mesma analogia serve paro peru de Natal aqui no Brasil, que na véspera do dia 25 de dezembro, acaba tendo uma grande surpresa, e no auge de sua felicidade e bem-estar vivenciada durante toda sua vida, vê tudo se perder.

1001 dias da vida do peru de natal investimentos

Dessa mesma que o peru jamais poderia imaginar ser morto após ter vivido momentos tão bons e de cuidados pela família que o alimentava, ele acabou tendo o mesmo fim de outros perus, que tinham essa mesma ilusão.

No final das contas a analogia do peru com o investidor se dá da mesma maneira. Imagine que você é alguém que conheceu o mundo dos investimentos em ações no final de junho de 2017, por volta do dia 26. O Ibovespa em torno de 62 mil pontos e você investe todo seu dinheiro em ativos da bolsa de valores brasileira.

Em janeiro de 2020, você vê uma grande valorização do seu dinheiro, o Ibovespa ficou em torno de 120 mil pontos, atingiu sua máxima histórica, outras ações que você adquiriu tiveram valorizações ainda maiores, e você todo otimista, se acostuma com a ideia de que a bolsa de valores vai sempre subir e você coloca cada vez mais dinheiro nesses ativos, sem preocupações.

Até que durante o mês de março surge a pandemia da Covid-19, você começa ver os índices mundo afora derreterem com o medo e a desconfiança do cenário criado. Empresas fechando, as pessoas trancadas dentro de casa por conta das incertezas que surgiam naquele momento, afinal, a maioria das pessoas nem sequer sonhava com uma pandemia durante 2020 que prejudicasse as principais economias do mundo.

Você segura ainda mais os ativos que comprou, a espera de uma melhora, mas 1 mês se passa, e nada de melhorar, os índices acionários só caem e algumas ações que você comprou acabam despencando numa velocidade ainda maior que o Ibovespa. Por fim, 1001 dias após você ter começado a investir na bolsa, mais precisamente o dia 23 de março de 2020, o índice Ibovespa fica em torno dos 62 mil pontos novamente.

E você que não esperava por nada disso e não sabe como lidar, vende todos os ativos que adquiriu, perdendo todos os seus lucros adquiridos durante os últimos 3 anos de muita dedicação e esforço, por conta do medo que perder ainda mais.

Mesmo que a bolsa tenha subido novamente mais tarde, você acaba não sabendo lidar com o momento de desespero, perde muito dinheiro e desiste de investir. Enquanto outros, aproveitaram esse pior momento pra colocar muito dinheiro em ativos e ver seus voarem em apenas alguns meses novamente.

Você foi exatamente como o peru de Natal, acomodou-se e se enganou com os dados históricos, não cogitou imprevistos e acabou perdendo tudo que havia ganhado. Já os que investiram mesmo no pior momento, acabaram fazendo como Nassim Taleb ensina, aproveitaram o momento de caos para sair ainda mais fortalecidos.

O contexto atual de pandemia é um fator que faz com que fique muito mais fácil de entender esses momentos do Cisne Negro e do “problema do peru”, já que muitas pessoas sequer imaginavam tudo que ia ocorrer, sendo assim, em um modo didático, acaba sendo um exemplo muito atual e pertinente de se citar.

Entretanto, Nassim Taleb não vê dessa forma. Assim como a previsão da crise de 2008, Taleb ligou seu alerta sobre a pandemia assim que as autoridades chinesas afirmavam que a conexão dos países no mundo globalizado poderia alastrar o vírus de forma mundial, de modo que para Nassim Taleb a pandemia era de certa forma previsível de acontecer, embora foi ignorada pelos governantes.

Não à toa, um dos fundos de investimento que Nassim Taleb é responsável teve lucros incríveis durante o período de pandemia, o que demonstra ainda mais que o autor realmente sabia da possibilidade que algo extraordinário naquele momento poderia acontecer. 

Desse modo, ele acaba não considerando o fato como propriamente um “Cisne Negro”, embora para muitos seria o fato ideal para descrever esse conceito descrito pelo autor. Ele ainda vê a possibilidade de uma nova pandemia, e possivelmente uma nova queda na bolsa, tão grande quanto a que se teve em março de 2020.

Do mesmo modo, nos anos que antecederam a crise do subprime, os americanos acreditavam piamente que os imóveis jamais parariam de subir seu preço, devido ao histórico de sucesso de altas nos preços desses ativos. 

Muitos investiram fortunas e acabaram sendo pegos de surpresa quando em 2008 tudo veio abaixo. Tantos os investidores do setor imobiliário, quanto de ações, viram o preço dos seus investimentos caírem de uma forma assustadora.

Após a crise de 2008, Nassim Taleb acabou sendo considerado como uma espécie de “guru” dentro do mundo dos investimentos. Apesar disso, ele não gosta e nem considera ser chamado assim. 

Para ele, tudo é uma questão de estudos de probabilidade e estatística, ao qual é possível prever e estar pronto para momentos como este ou para pelo menos buscar estratégias para sair vencedor desse tipo de crise, através do fato de saber observar e estar atentos aos primeiros sinais disso.

Conclusão

É a partir de tudo isso que Nassim Taleb precavê o seu leitor a todo momento, que como não podemos prever a maioria dos acontecimentos que estão por vir, ou que pensamos que nunca iria acontecer, é que não podemos planejar nossa vida totalmente em cima de um único script pronto. 

No mundo dos investimentos, assim como em tudo na nossa vida, é preciso estar preparado para os imprevistos, abrir a mente e espaço na vida para questões que não podemos saber que um dia irão ocorrer, construir carteiras de investimento equilibradas entre o risco e a proteção de seus bens, de modo a nunca colocar todo seu patrimônio em um único ativo, ou como diz um ditado do mundo dos investimentos, “jamais colocar todos os ovos dentro de um único cesto”.

É preciso tomar muito cuidado com nossas crenças ou para aquilo que pensamos que sabemos. Nossa mente costuma escrever a história para o futuro ao qual não temos nenhuma previsibilidade de que realmente saíra como planejamos.

É a partir desta ideia, que os acontecimentos inesperados, designados como “Cisne Negro” de Nassim Taleb são tão importantes de serem levados em conta quanto qualquer técnica de investimento bem elaborada. Preparar-se para isso é um caminho mais acelerado para o sucesso nos investimentos e na vida, assim como qualquer planejamento que se faça.

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