O Quantitative Easing está criando a maior bolha da história?

Os anos de 2008 e 2009 foram marcados como os anos de “Bailouts” ou de, resgate aos bancos. O Federal Reserve (FED), banco central dos Estados Unidos, resgatou grandes bancos que estavam em crise, criando, imprimindo e transferindo dólares para eles. Tudo isso feito através do programa de Quantitative Easing: que funciona de maneira semelhante a apertar ctrl+P para ativar a impressora. Mas esse dinheiro vai para os bancos.

Por sua vez, esses bancos não fecharam as portas e puderam oferecer linhas de crédito a juros baixo para seus correntistas. Essa foi uma forma que o governo americano encontrou para evitar um colapso no sistema econômico e financeiro mundial.

Entre 2008 e 2010, o FED injetou mais de US$ 2,1 trilhões no sistema financeiro. Isso pode ser visto no gráfico abaixo, que demonstra o balanço de ativos do FED. O Quantitative Easing também envolve compra de ativos financeiros. Durante a crise de 2008, os ativos do FED triplicaram.

balanço do banco central quantitative easing
Balanço do Banco Central. Fonte: FRED

Com o Quantitative Easing, a economia conseguiu reagir e sair da maior crise desde a Grande Depressão de 1929. No entanto, surgem maiores preocupações sobre essa política heterodoxa sob o ponto de vista econômico. Afinal, é só imprimir dinheiro que está tudo resolvido?

Seu dinheiro não existe

Você abre o aplicativo do seu banco no celular e dá uma checada no saldo que está depositado. Ali, você pensa: “meu dinheiro está no banco, depositado em minha conta”. No entanto, a realidade não chega nem perto de ser essa. 

Hoje, os bancos não guardam 100% dos depósitos que recebem. Os dígitos que você vê não são necessariamente iguais aos que você tem depositado no banco. Na verdade, ele guarda exatamente 31% do dinheiro que foi depositado em sua conta. Os outros 69% ele pode usar para se financiar e fazer empréstimo.

Quando o dinheiro da pessoa que solicitou o empréstimo cai na conta, 69% da quantia será destinada para novas rodadas de empréstimos. Desta forma, os bancos podem criar dinheiro, através de um sistema que ficou conhecido como reservas fracionárias, que se popularizou especialmente quando o dinheiro perdeu o seu lastro em ouro.

Se todo mundo for sacar seu dinheiro ao mesmo tempo, o banco quebra. Em momentos de crise, as pessoas optam por ter dinheiro em mãos. Nessas horas, os bancos começam a ficar sem liquidez, isto é, dinheiro em caixa para pagar seus correntistas, podendo ir à falência, com seus clientes perdendo o dinheiro.

É por isso que os Bancos Centrais ligam a impressora e injetam liquidez em outros bancos. Caso eles quebrem, as economias de vida das pessoas acabariam do dia para a noite, aprofundando um cenário de recessão econômica.

Políticas econômicas

Quando o crescimento econômico começa a dar sinais de fraqueza, os governos passam a interferir na economia com as chamadas políticas econômicas. Elas podem ser feitas através de incentivos fiscais como: redução de impostos, aumento dos gastos públicos e programas sociais. 

Após a Grande Depressão de 1929, Roosevelt havia lançado o New Deal, um grande programa de políticas fiscais para gerar empregos através de obras públicas, foram injetados US$ 4 bilhões para financiar obras de infraestrutura, a principal delas sendo a Represa Roosevelt.

Entretanto, nos últimos anos, a política do tipo monetária foi mais utilizada para combater as recessões, principalmente a partir da crise de 2008. Os governos ao redor do mundo reduzem taxas de juros, liberam crédito e compram títulos de dívida no mercado (Tesouro Direto) para fazer mais dinheiro circular na economia.

O Quantitative Easing é um dos exemplos mais notáveis. Desde 2008, se tornou uma rotina a recompra de títulos públicos para injetar dinheiro na economia, corte de juros (gráfico abaixo) e crédito fácil. O sistema de reservas fracionárias é um grande facilitador para isso, pois agora o dinheiro pode ser criado diretamente pelos bancos centrais, sem necessidade de lastro.

corte de juros nos estados unidos
Taxas de juros nos Estados Unidos. Fonte: TradingEconomics

Nos últimos 100 anos, um dos grandes debates da economia foi: aumentar a emissão de moeda aumenta ou não a inflação? Afinal, uma emissão de moeda nesses patamares poderia gerar uma grande desvalorização do dinheiro corrente, pois o seu poder de compra diminuiria. 

Contudo, a inflação nos Estados Unidos e na Europa se mantiveram sob controle, então imprimir dinheiro não causa inflação? O gráfico abaixo mostra que a inflação nos Estados Unidos ficou estável. Com isso, o Quantitative Easing é a receita perfeita para fazer as economias crescerem?

inflação nos estados unidos
Inflação nos Estados Unidos. Fonte: TradingEconomics

O preço dos ativos financeiros

É preciso dizer que, em um primeiro momento, dificilmente esse dinheiro vai parar nas mãos da população comum. O Banco Central não está imprimindo dinheiro e dando para as pessoas, ao menos não de forma direta. Esse dinheiro vai direto para os Bancos Centrais, para dar liquidez e continuidade nas suas operações.

No entanto, juros baratos e dinheiro fácil aumentam a atratividade dos empréstimos bancários. Em alguns países da Europa, você paga para deixar dinheiro no poupança, isto é, os juros são negativos. A ordem é fazer o dinheiro circular para que a economia cresça. 

Mas se a inflação não está indo para o preço dos produtos, para onde ela vai? Ainda no ano passado, Ray Dalio, gestor do maior fundo de investimentos do mundo, escreveu um artigo falando que o mundo estava louco e o preço dos ativos financeiros estava inflacionado. 

Ativos financeiros entende-se: commodities, ações, derivativos e títulos. Tomando ações como exemplo, por serem os que apresentam maior liquidez, é possível ver que o índice de ações dos EUA, o S&P 500, subiu mais de 350% nos últimos 12 anos. Nesse período, também surgiram empresas do tipo startup, que mesmo sem darem lucro, conseguiram alcançar bilhões de dólares em valor de mercado.

S&P 500 sobe 350% após quantitative easing

O preço dos imóveis também disparou nos Estados Unidos praticamente subiu em linha reta e chegou a patamares muito superiores aos níveis pré-bolha imobiliária entre os anos de 2003 e 2009. O gráfico abaixo demonstra essa dinâmica: 

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Índice do preço de imóveis nos Estados Unidos. Fonte: FRED

Com isso, surge o questionamento: os Bancos Centrais estão formando uma bolha ainda maior do que na Grande Crise de 2008? Essa preocupação acaba sendo refletida nos mercados. Desde o aumento dos índices de contaminados pelo COVID-19, as bolsas de valores no mundo inteiro despencaram.

Como resposta, os Bancos Centrais estão injetando ainda mais dinheiro para conter a falência de bancos e evitar uma recessão econômica. O FED já anunciou que vai injetar US$ 1,5 trilhão de imediato e mais US$ 1 trilhão por semana até o fim de março de 2020. 

Esses números já superam as primeiras rodadas de Quantitative Easing dos últimos 10 anos. Será que dessa vez os bancos centrais terão munição o suficiente para conter essa grande recessão? 

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