Texto de Vinícius Andrade publicado na Bloomberg.com. O preço dos ativos financeiros do Brasil caíram bastante até agora, tão rápido que você pode pensar que é hora de comprar. Mas a verdade é que poucos especialistas estão prontos para falar que hoje é o fundo do poço.
A maior economia da América Latina não parece mais uma pechincha para os investidores, pois uma resposta frustrada à pandemia transformou o país no novo epicentro do vírus que mais cresce no mundo.
Dois ministros da saúde saíram em meio a confrontos com o presidente Jair Bolsonaro, cujo governo foi envolvido em uma crise política que abriu a porta para um possível impeachment.
Isso deixou uma ambiciosa agenda de reformas, que incluiu uma revisão do sistema tributário, quase morta. Sem reformas à vista e mais gastos para combater o vírus, as preocupações fiscais ressurgiram.
Brasil não tão mais atraente
“Não há um catalisador claro” para uma recuperação, disse Paulo Pereira Miguel, sócio do Julius Baer Family Office em São Paulo. “Há ceticismo sobre as perspectivas fiscais do país após a crise”.
O dólar subiu mais de 30% este ano, superando qualquer outra moeda no mundo, e as ações perderam quase metade do seu valor em termos de dólares em meio à grande quantidade de problemas locais.
Cotação do dólar no Brasil (comercial)
A curva da taxa de juros se inclinou para refletir o risco de deterioração fiscal, enquanto os bônus do dólar soberano foram mais resistentes, respaldados pelas reservas internacionais de US$ 340 bilhões do país.
Para a moeda, as perspectivas são especialmente de desvalorização, pois o Banco Central reduz as taxas de juros para estimular o crescimento, o que reduz seu apelo para operações de Carry Trade para investidores estrangeiros.
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O dólar atingiu R$ 5,97, em uma alta sem precedentes, no início deste mês e o Deutsche Bank AG disse que pode subir ainda mais para R$ 6,50 em meio à pior recessão do mundo.
“Ser pessimista sobre a moeda brasileira é uma visão de consenso”, disse Alvise Marino, estrategista do Credit Suisse AG em Nova York que espera que a moeda atinja R$ 6,20 por dólar. “Não há como contornar isso.”
As ações também estão atraindo apostas negativas. A Persevera Asset Management, com sede em São Paulo, administrada por ex-executivos do HSBC Holdings Plc, está vendendo ações brasileiras, pois prevê que o índice Ibovespa poderá cair 28% dos níveis atuais antes de se recuperar.
“O legado econômico desta crise será mais destrutivo do que o preço atualmente no mercado”, disse Guilherme Abbud, sócio fundador e diretor de investimentos da empresa. Ele diz que o PIB pode encolher em até 10% este ano.
Muitos fundos locais têm favorecido o mercado de ações dos EUA em termos relativos. A Verde Asset Management, cujo fundo principal é um dos hedge funds mais conhecidos do Brasil, disse em uma carta recente aos clientes que a “névoa de incertezas” do país está impedindo as decisões de investimento.
Governo sob pressão
As disputas entre autoridades federais e estaduais, para não mencionar no próprio gabinete de Bolsonaro, deixaram o país sem uma estratégia abrangente para retardar a propagação do vírus.
Os mercados também estão no limite por causa das alegações do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro de que Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal. Embora a discussão sobre impeachment seja apenas isso por enquanto, os analistas se preocupam com a possibilidade de novas evidências surgirem.
“A expulsão do presidente Bolsonaro de funcionários do governo e a renúncia de Sérgio Moro, um dos principais ministros da Justiça, elevaram o risco político a um nível que nos incomoda”, escreveu Brendan McKenna, estrategista de moeda da Wells Fargo & Co., em Nova York, em um Nota.
Apesar de todas as incertezas, alguns ainda veem potenciais motivadores para ações. O Goldman Sachs recomendou que os investidores comprassem o índice de referência Ibovespa, chamando as ações de “candidato ideal para recuperação”, uma vez que se beneficiam do apetite crescente por ativos de risco e pela recuperação de commodities.
Os estrategistas do Morgan Stanley, liderados por Guilherme Paiva, disseram que as taxas historicamente baixas devem continuar impulsionando mais dinheiro para o mercado de ações.
Enquanto isso, cresce a preocupação de que bloqueios mais rígidos possam prejudicar uma economia que já deverá contrair 5,1% este ano. Enquanto os Estados Unidos e os países europeus dão os primeiros passos para reabrir, a Schroders Plc diz que o Brasil pode ser a última economia do mundo a fazê-lo.
“A economia brasileira foi duramente afetada pela crise do Covid-19”, disse Katrina Butt, economista sênior da América Latina da AllianceBernstein em Nova York. “A incerteza da reabertura econômica em todo o mundo provavelmente aumentará a demanda por dólares em relação à maioria das moedas, especialmente as de mercados emergentes, no curto prazo.”