Jérôme Kerviel, o homem que quase quebrou banco francês em 4,9 bilhões de Euros

Creio que todos já devem conhecer a história de Bernard Madoff, o grande campeão do  caso mais icônico de Fraude Financeira do mundo, no qual foi condenado a 150 anos de prisão por um esquema onde investidores perderam na época US $20 bilhões.

Todavia, descendo um degrau abaixo neste ranking, conheceremos no artigo de hoje, o francês Jérôme Kerviel, responsável por um prejuízo de 4,9 bilhões de Euros nos cofres do Société Générale, um dos maiores bancos da Europa.

Quem é Jérôme Kerviel?

Jérôme Kerviel foi um trader de derivativos francês, nascido em 1977, graduado em 2000 pela Universidade Lumière Lyon, com um mestrado em finanças, especializando-se em organização e controle de mercados financeiros. Em 2000, Jérôme ingressou no Société Générale, um dos maiores bancos da Europa, aos 23 anos.

O primeiro cargo na empresa de Jérôme foi no departamento de compliance, mas em 2005 ele mudou para um cargo de trader júnior trabalhando com na mesa de operações de mercados futuros europeus, na sede do banco. Seu salário, frente a outros, era modesto, cerca de cem mil euros por ano.

Sua principal função era capitalizar as discrepâncias de preços entre os derivativos de ações e o preço de mercado das ações em que os derivativos se baseavam.

Jérôme Kerviel, o homem que quase quebrou banco francês
Jérôme Kerviel

Falsificando operações

As mesas institucionais dos grandes bancos lidam com milhões, quando não bilhões diariamente. Essas enormes cifras passavam pelos seus olhos de Kerviel todos os dias, até que o mesmo começou a ficar tentado.

Em 2006 ele Kerviel começou a falsificar operações, ele fez isso em segredo e soube esconder muito bem os seus rastros.

Kerviel começou a fazer operações por conta própria, criando transações fictícias, inicialmente com valores pequenos e com menos frequência, mas com o passar do tempo, esses valores foram escalando.

Seu objetivo era criar negócios que tivessem prejuízo de modo a encobrir negociações com lucro anteriores e ficando com uma parte desses valores. Dessa forma, os negócios criados e arbitrados por Kerviel chegaram à soma de 49 bilhões de euros, valor maior até que a capitalização total do banco.

Com vários anos de experiência no back office da Société Générale, Kerviel conhecia bem as políticas da empresa para aprovar e regulamentar as negociações entre seus corretores. Ele aproveitou esse conhecimento para compensar suas apostas unilaterais com a posição oposta que realmente não existia, criando negociações falsas nos computadores e registros do sistema, de forma que as negociações não fossem sinalizadas pelos sistemas de supervisão do banco.

Inicialmente, essas negociações eram lucrativas. Com tanto sucesso inicial, Kerviel temeu que o banco descobrisse as transações falsas. Para ocultar a atividade, ele começou a criar negociações com prejuízo intencionalmente, de modo a gerar perdas para compensar seus ganhos iniciais.

A descoberta

Em janeiro de 2008, o banco descobriu o andamento dessas fraudes e durante três dias passou a fechar as posições.

Quando os gerentes da empresa descobriram que Kerviel havia conduzido dezenas de bilhões de euros em negociações não autorizadas, eles fecharam as posições abertas, no qual as maiorias eram negociações especializadas de arbitragem de ações, com objetivo de conter a extensão da fraude.

O Société Générale encontrou lucros ocultos no valor de €1,4 bilhão, no entanto, esse valor representava apenas uma pequena parte das operações de Kerviel. Na verdade, Jérôme Kerviel havia operado em segredo a soma absurda de €50 bilhões.

Como já sabemos, em 2008, os mercados mundiais já não iam muito bem por conta da crise do subprime, no qual o mercado imobiliário estava em risco. Desse modo, o banco anunciou esta fraude interna de 4,9 bilhões de euros (US $7,1 bilhões), aos quais se somam 2 bilhões de euros (US $2,89 bilhões) de desvalorizações ligadas à crise dos “subprimes”.

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O banco descobriu isso em um momento inconveniente, já que os índices estavam enfrentando uma forte queda. Mesmo assim, eles tiveram que liquidar essa posição gigantesca. O processo foi realizado ao longo de três dias, começando em 31 de janeiro de 2008. Apenas essas vendas causaram um prejuízo de €5 bilhões para a empresa.

Segundo o Société, o trader teria usado “seu conhecimento profundo dos procedimentos de controle para dissimular suas posições graças a uma montagem elaborada de transações fictícias”.

Na época, após a suspensão das operações a pedido do banco, as ações do Société Générale registraram uma baixa de -4,84%, logo no início da abertura da Bolsa de Paris depois de sua reativação.

O presidente da Société Générale, Daniel Bouton, tentou se explicar sobre a fraude e pediu desculpas aos acionistas.

“Apenas um homem construiu uma empresa de fachada no interior do grupo utilizando os instrumentos do Société Générale e teve a inteligência de escapar de todos os procedimentos de controle”, declarou.

Após a anulação dessa decisão em 2018, Kerviel decidiu levar o caso ao mais alto tribunal francês. As “graves deficiências” dos sistemas de controlo do SocGen que permitiram à Jérôme Kerviel realizar a fraude “não apagaram o grau de gravidade da culpa do trabalhador”, referiu hoje o Tribunal.

Em um comunicado à ‘Bloomberg’, o Société Générale diz que a decisão significa que a rejeição de todas as queixas de demissão injusta de Kerviel é final.

Como funcionam os derivativos?

Os derivativos são instrumentos de investimento que obtêm seu valor de outro ativo, como o preço do milho, uma ação ou um índice. Existem muitos tipos de derivativos, como futuros, opções e swaps. Para limitar o risco nas negociações de derivativos, uma posição longa de derivativo é geralmente compensada por uma posição curta semelhante.

Peguemos o exemplo de um negociante, que compra futuros do mercado de ações em euros esperando que o mercado suba, normalmente essa aposta seria compensada vendendo a descoberto os futuros de ações dos EUA para lucrar caso os mercados caírem, já que as ações europeias e norte-americanas tendem a se mover de maneira semelhante.

No caso de Kerviel começou ele apenas realizou apenas um lado dessas “apostas”.

Condenação

Em março de 2014, Jérôme Kerviel foi condenado a cinco anos de prisão por abuso de confiança, falsificação e introdução de informações fraudulentas de dados no sistema de negociação do banco.

No entanto, o tribunal de apelações em Versalhes ficou do lado de Kerviel em 2016 e declarou em um julgamento que não foi “negligência ocasional”, mas “escolhas administrativas” que garantiram que Kerviel pudesse escapar impune de seus atos criminosos.

Apesar disso, o Tribunal de Cassação rejeitou o pedido e manteve a decisão do Tribunal de Recurso de Paris, salientando que J. Kerviel tinha se envolvido em múltiplos processos fraudulentos realizando operações secretamente que trouxeram grandes riscos para o banco”.

Com isso, ele foi condenado a três anos e obrigado a pagar uma restituição de € 4,9 bilhões. No entanto, a pena foi alterada, fazendo com que ele cumprisse cinco meses de prisão e pagasse  € 1 milhão.

Mas a história não acaba por aí, Kerviel afirmou que seus chefes sabiam de suas negociações fraudulentas, mas intencionalmente desviaram o olhar enquanto ele estava obtendo lucros para o banco.

Em junho de 2016, o banco francês foi condenado a pagar quase meio milhão de euros para Jérôme Kerviel por, segundo as palavras do tribunal trabalhista francês, ter sido demitido “sem motivo real e sério” e “em condições vexatórias”. Pasmem, uma fraude de 5 bilhões de euros não foi um motivo real e sério para as autoridades francesas.

Opiniões

Muitos analistas acreditam que o cargo de Jérôme Kerviel e a sua posição na empresa permitiram que ele realizasse tal fraude.

Muitas acham o fato minimamente curioso, por o banco permitir que o trader sozinho operava futuros de índices de ações com quase 50 bilhões de euros, muito além dos seus limites de trading no banco.

Para se ter uma ideia, em dezembro de 2007, ele havia dado um lucro de US$ 2 bilhões ao banco, por exemplo.

Outro ponto muito  discutido é se o Société Générale estimulava a cultura da qual Jérôme se aproveitou. Muitos afirmam que o banco francês ignorava as operações irregulares, contanto que elas gerassem lucro. Segundo a  família de Jérôme Kerviel, o trader foi usado como bode expiatório, tendo que assumir mais perdas do que havia realmente causado.

Livro e HQ

Caso a vida de Jérôme Kerviel lhe desperte interesse e você queira entender um dos lados da questão, você poderá comprar o seu livro “L’Engrenage, Mémoires d’un trader” (A Engrenagem, Memórias de um operador de mercado, em tradução literal).

“Eu não sou um sintoma da crise financeira. Sou um homem que cometeu erros em um banco que durante muito tempo os admitiu porque tinha lucros com isso”, diz ele no livro.

Além disso, caso o livro não seja uma opção de leitura, você poderá entender melhor essa história através da QH de Thomas Editions, inspirada na vida de Jérôme Kerviel e remontada em quadrinhos.

Jérôme Kerviel, o homem que quase quebrou banco francês
Le journal de Jérôme Kerviel

A história se chamará Diário de Jérôme Kerviel (Le journal de Jérôme Kerviel), e mostrará sua trajetória dentro do banco, desde
o momento de sua contratação em 2001, até a sua prisão, baseada nas transcrições do inquérito policial e no relato de Kerviel.

Conclusão

Não se sabe ao certo se Jérôme Kerviel fez tudo sozinho, se ele não passou de um bode expiatório e de cortina de fumaça para prejuízos ainda maiores que o banco sofreu, mas de qualquer forma ele conseguiu desviar a atenção da mídia, dos clientes e do mercado para sí.

Anos após o caso, o mercado acredita que Jérôme Kerviel não tenha lucrado pessoalmente com suas negociações imprudentes, no entanto, suas ações fizeram com que ele se tornasse um dos maiores casos de fraudes financeiras do mundo, contra seus próprios empregadores através de atividades comerciais arriscadas e não autorizadas.

Em suma, para muitos Jérôme Kerviel não é um herói ou vilão, mas um sintoma do sistema financeiro, que, apesar das restrições, ainda permite que uma fraude dessas proporções possa ocorrer.

Veja também: Marcação a mercado: Como impacta nos seus investimentos?

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