A bolsa de valores brasileira teve uma retirada exorbitante de capital estrangeiro em 2020. Até o dia o final do mês setembro a soma chegou a R$ 88,3 bilhões de saldo negativo nesse quesito. Os dados foram divulgados pela B3, que é a Bolsa de Valores de São Paulo, e atingiu quase o dobro do valor em relação ao ano passado, porém levando em conta o ano todo de 2019, onde chegou a aproximadamente R$ 44,5 bilhões.
Ainda assim, vale dizer que esse valor não é o maior do ano, pois uma semana antes de terminar o mês de setembro, no dia 23, esse valor chegava a mais R$ 89 bilhões, onde teve uma leve queda até então. Ainda pensando em setembro, esse déficit foi de quase R$ 2,9 bilhões no período de um mês.
Vejamos como se desenvolveu esse valor ao longo dos meses em 2020:
Mas o que teria levado a toda essa retirada de capital estrangeiro da bolsa? Alguns motivos podem ser levantados a respeito, mas alguns deles têm maior relevância nesse deficit. A retirada de dinheiro dificilmente aconteceu por um único motivo.
Grande parte dessa retirada está ligada à aversão ao risco, causada pela grande volatilidade e incertezas dos investidores em deixar seu dinheiro na bolsa, que tem ocorrido principalmente nas últimas semanas, e esse em si, já é um dos principais fatores.
Os acionistas têm tomado medidas muito mais conscientes e atentas ao mercado, criando uma certa repulsa a ativos de risco como as ações no momento e isso é uma questão internacional, que tem sido gerada pela pandemia e por acontecimentos pontuais como as eleições americanas, por exemplo.
Essas questões levantam grande instabilidade no mercado de ações, o que teria gerado a maior parte dessa evasão de capital estrangeiro na bolsa.
Além disso, também temos as questões fiscais no Brasil, que inclusive tem penalizado o Ibovespa com algumas quedas nos últimos dias, ao passo que o dólar voltava a subir ontem, dia 2 de outubro.
Os juros futuros acompanharam a tendência do dólar e também voltaram a subir. O baixo dinamismo em relação ao setor econômico também em parte tem relação com todas essas consequências, e assim, as operações e movimentações da bolsa brasileira tem sido em sua maioria sustentada pelos investidores nacionais.
Outro ponto importante se trata das questões internas do governo brasileiro, principalmente quando se trata de questões ambientais e fiscais. Quanto às questões ambientais, muitos investidores nacionais e estrangeiros demonstram insatisfação com o governo Bolsonaro a respeito das ações políticas voltadas a questão ambiental nacional, sendo assim, a imagem do Brasil em relação a esse tema acabou sendo um pouco comprometida internacionalmente.
Essas insatisfações têm em grande parte relação com o aumento de queimadas na Amazônia, que foi de cerca de 51,7% só no primeiro semestre de 2020, além do aumento do desmatamento no mesmo local, com o pior índice em 10 anos, chegando a um aumento em agosto de 68% em relação ao mesmo mês em 2019.
Outra questão ambiental que tem sido noticiada fortemente na mídia é a questão do Pantanal, que por sua vez enfrenta um momento de um grande incêndio no qual já destruiu uma grande faixa de hectares até então.
Em relação a todos esses dados, muitos investidores estrangeiros já haviam alertado há meses que deixariam de investir no Brasil, caso não fossem tomadas medidas rígidas quanto a questões jurídicas e econômicas voltadas ao meio ambiente, e a bolsa de valores acabou sentindo boa parte dessa evasão e desconfiança, que acabou de fato acontecendo.
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Essas questões ambientais têm ganhado muita pauta internacional a respeito, na qual o cenário é de preferência em ativos que tenham maior responsabilidade ambiental, social e também de governança.
A maior gestora do mundo, por exemplo, a BlackRock divulgou no início de 2020 uma carta que mostrava seu desinteresse em investimentos em ativos que fossem de alto risco a questão da sustentabilidade e força de trabalho.
Nesse cenário, investidores estrangeiros não tem enxergado no Brasil essas questões de preocupação com medidas sustentáveis quanto se desejava, e por isso o país tem perdido pontos nisso no mercado internacional, pois é uma tendência do comportamento e da visão dos detentores de capital contemporâneos.
Quanto às medidas fiscais do governo, criou-se um certo temor dentro do mercado em relação ao estouro do teto de gastos. A criação do Renda Cidadã, por exemplo, programa governamental que substituiria o Bolsa Família, tem discussão pautada pelo próprio governo em relação de onde viriam esses recursos para a execução do projeto.
Foi proposto então, o uso de repasses de R$ 8 bilhões que antes seriam direcionados ao Fundeb, que são recursos da educação, para que o programa do Renda Cidadã fosse realizado.
Essa atitude do governo trouxe muita insegurança no mercado em relação à possibilidade de alguma pedalada fiscal ser cometida, além dos flertes governamentais com a relação de futuros gastos, que causaram desconfiança ao cumprimento de metas fiscais que o próprio governo havia prometido.
Essa evasão de capital estrangeiro não foi vista apenas na bolsa. Até o final do mês de setembro, a participação de investidores estrangeiros em títulos da dívida pública brasileira caiu para 9%, menos da metade do que tínhamos desde 2015, onde essa parcela representava 20,8%.
De forma geral, se vê que o Brasil tem perdido grande parte do capital estrangeiro em diversos segmentos, refletindo até então nessa perda significativa na bolsa de valores. Quanto às consequências, o que se vê é menor recursos disponíveis para as empresas, que contam cada vez menos com a ajuda de acionistas estrangeiros.
Essa questão resulta, principalmente, na dificuldade do crescimento e estabilidade de empresas que esperavam ofertas iniciais de ações e aquelas que necessitam desse maior aporte de capital para conseguir se manter no mercado.