Há uma bolha no mercado de ações?

A pandemia do COVID-19, trouxe diversas dificuldades para as bolsas mundiais, no entanto, mesmo com a crise sanitária longe do fim, podemos perceber uma escalada de preços de ativos.

Nos Estados Unidos, a Bolsa de tecnologia Nasdaq acumulou uma alta de 43% em 2020 e o índice S&P 500, que reúne as 500 maiores empresas de capital aberto negociadas no mercado americano, terminou o ano de 2020 com valorização de 15%.

No Reino Unido, o índice FTSE 100 fechou o ano em -0,71%, mas registrou alta constante nos últimos meses.

No Japão, a Bolsa de Valores de Tóquio fechou o último pregão do ano com 16,01% de valorização no acumulado. E o Topix, segundo principal indicador, acumulou alta de 4,84% no ano.

Aqui no Brasil, o IBOVESPA se aproximou dos 60 mil pontos em março, uma queda de quase 50% em relação às máximas históricas registradas em janeiro. No entanto, nos meses seguintes se recuperou, fechou o ano com alta de 2,92%.

Mas afinal, como podemos explicar a grande performance nos preços das ações a níveis mundiais, em um momento onde o mercado ainda é movido por boas notícias desastrosas e a economia mundial encontra-se em colapso.

Para responder essa questão, trago aqui Ray Dalio, que recentemente publicou em seu LinkedIn sua opinião sobre o assunto.

Quem é Ray Dalio?

Raymond Thomas Dalio, mais conhecido como Ray Dalio, é um gestor e fundador da Bridgewater Associates, a maior e mais lucrativa gestora de hedge funds do mundo, com cerca de US$ 140 bilhões sob gestão e mais de 1.500 funcionários.

Dalio fundou a Bridgewater em 1975, dois anos após concluir seu MBA na Harvard Business School e pouco após ter sofrido uma demissão.

Sua gestora foi pioneira ao utilizar a estratégia de alocação conhecida como paridade de risco, que busca alocar a carteira de acordo com os de risco de cada classe ativos, utilizando-se de alavancagem para ponderar o risco, com objetivo de buscar um nível “ideal” de volatilidade.

A estratégia mencionada, segundo seus defensores, é capaz de resistir a qualquer tipo de ambiente econômico.

Além de ser o gestor do fundo de hedge mais bem-sucedido do mundo. Dalio também gosta de dividir suas ideias de investimentos com o mundo. Atualmente o gestor publicou um artigo em seu LinkedIn com o seguinte título: “Há uma bolha no mercado de ações?”, no qual discutiremos a seguir.

Há uma bolha no mercado de ações?

Para Dalio, ao longo de sua jornada, já observou muitas bolhas no mercado de açõese estudou mais nos livros de história sobre elas, dessa forma o mesmo diz ser capaz de saber exatamente como identificar uma.

Dessa forma, em seu artigo, Dalio sistematiza o que podemos definir como um “indicador de bolha”, que tem como função monitorar e dar uma perspectiva de cada mercado. A partir daí ele mostra como funciona e quais os possíveis cenários para as ações dos Estados Unidos.

Para vislumbrar esse cenário é utilizado o gestor chama de ‘bubble indicator’, na tradução para o portugues, indicador de bolha, no qual responde a seis questões para diagnosticar se as empresas e os índices se encontram em um nível de preço insustentável, ou seja, com grandes riscos de estarem inflados.

As questões analisadas em sua metodologia são:

  1. Quão altos estão os preços em relação às medidas tradicionais?

  2. Os preços já estão descontando as condições insustentáveis?

  3. Quantos novos investidores compradores (ou seja, aqueles que não estavam anteriormente no mercado) entraram no mercado?

  4. Quão amplamente otimista é o sentimento?

  5. As operações de compras estão sendo financiadas por alta alavancagem?

  6. Os compradores fizeram compras a termo excepcionalmente estendidas (por exemplo, estoque construído, compras a termo contratadas, etc.) para especular ou se proteger contra ganhos de preço futuros?

A partir das respostas, cada uma dessas seis questões é medida usando uma série de estatísticas combinadas. No mercado de ações, a metodologia é aplicada a cada papel que o investidor está analisando, onde os indicadores são combinados em índices agregados por título e, em seguida, para o mercado como um todo.

A partir do seu resultado, Ray Dalio nos apresenta uma tabela, evidenciando suas conclusões, onde  “No buble” quer dizer que não há status de bolha no mercado de ações, “froothy” significa dizer que há um estado pré-bolha e que “bubble” é a própria bolha no mercado de ações, já formada.

 bolha no mercado de ações - Ray Dalio

Além disso, é apresentado um gráfico, que apresenta a leitura agregada derivada da combinação desses indicadores para o mercado de ações desde 1910.

 bolha no mercado de ações - Ray Dalio

A partir da leitura do gráfico podemos evidenciar como as condições se acumulam hoje para as ações dos EUA em relação ao passado. Seu indicador de bolha diz que o mercado de ações americano, em geral, está em torno do 77º percentil hoje, menos do que estava na bolha de 2000 e na bolha de 1929, quando esse medidor agregado teve uma leitura do 100º percentil.

Após esse estudo, Dalio explica que, após realizar uma ampla análise das 1000 maiores empresas dos Estados Unidos, apenas uma parcela pequena tem um alto risco de bolha no mercado de ações, o que, na visão do gestor, significa um nível de preço no mercado insustentável.

Segundo ele, cerca de 5% das empresas avaliadas estão nesta situação de bolha extrema, metade do visto no pico da bolha de tecnologia. “O número é menor para o S&P 500, pois várias das empresas ‘infladas’ não fazem parte desse índice”, diz.

No entanto, é nítido que o comportamento das pessoas físicas nas bolsas americanas se tornou inconsequente, à medida que os investidores decidem ignorar os dados mais fracos e as taxas de infecção da covid que estão crescendo por todo o mundo.

Dessa forma, podemos compreender que o que está acontecendo nas bolsas mundiais é fruto do excesso de liquidez e pelos pacotes de ajuda do Governo, devido à crise causada pela covid-19.

Por conta disso, a bolha no mercado de ações tem sido inflada pelo comportamento inconsequente dos indivíduos, com os institucionais pegando carona. O aumento do interesse pela especulação de alto risco, é um problema e pode ocasionar perdas consideráveis.

No entanto, na opinião de Dalio, não há, por enquanto, risco generalizado de bolha no mercado de ações dos Estados Unidos. Porém, ele deixa claro que algumas empresas, em especial as do setor de tecnologia, estão com o alerta vermelho bem aceso.

Ray Dalio vs Bitcoin

Não é a primeira vez que Ray Dalio faz a publicação de um artigo afirmando a existência de uma nova bolha.

Em 2017, o fundador do Bridgewater, Ray Dalio, chamou o Bitcoin de bolha, afirmando que a criptomoeda seria falha como dinheiro, dentre outras críticas.

No entanto, os novos cenários econômicos mundiais, ao parece, alteraram as convicções do bilionário. Em outra ocasião,  Dalio publicou um artigo, apesar de enfatizar que não era um especialista e que, portanto sua opinião não deveria ser levada a sério, realizando elogios ao Bitcoin, chamando a moeda digital de “uma baita invenção”.

O gestor ainda acrescenta que a mídia “distorce suas afirmações”, e que o artigo publicado no blog da Bridgewater tinha como objetivo esclarecer alguns pontos. Feitas as considerações, Dalio afirma que o espaço conquistado pela criptomoeda em dez anos é um “incrível feito”.

Veja também: Primeiro ETF de Bitcoin da bolsa brasileira

Além disso, o bilionário brinca dizendo que é “um tipo de alquimia”, uma forma de “criar dinheiro do nada”, elogiando a comunidade do Bitcoin por manter vivo o sonho do Bitcoin como alternativa ao ouro.

Ela ainda acrescenta que atualmente não existem muitas alternativas ao ouro, e reconhece que o Bitcoin deixou de ser uma ideia especulativa e “provavelmente terá algum valor no futuro”.

No texto, ele ainda afirma que o Bitcoin será superado. “Tendo em vista que o funcionamento do Bitcoin é fixo, ele não poderá evoluir e eu acredito que uma alternativa melhor será inventada.”

Por fim, Dalio diz que investiria no Bitcoin e não ligaria de perder 80% do seu capital. Ao que tudo indica, um dos maiores críticos do BTC foi convertido.

Considerações importantes

Além da excelente pesquisa realizada por Ray Dalio, devemos nos ater a outros pontos que não foram tocados no artigo, mas que são essenciais para entendermos a formação dessa possível bolha no mercado de ações.

Primeiramente devemos compreender que essa formação não  é algo recente.

A bolha no mercado de ações encontra-se ligada diretamente às quedas vertiginosas das taxas de juros globais, que vêm se formando desde meados dos anos 1980.

 bolha no mercado de ações - Ray Dalio
Índice dos juros de 10 anos americanos nos últimos 50 anos. Fonte: Bloomberg.

Importante destacar aqui, uma dinâmica muito comum do mercado financeiro, onde o investidor ganha dinheiro quando as taxas de juros caem e perde quando os títulos sobem. Dessa forma, podemos afirmar que o mundo ganhou muito dinheiro nos últimos 30 anos.

Ao observar a linha vermelha iremos perceber que o espaço para a redução de juros está acabando. Dessa forma, o sistema econômico que o mundo todo usa, desde os anos 1990, atingiu seu limite, como taxas de juros reais negativas pagas hoje por países desenvolvidos.

Quando o custo de capital está muito baixo, alguns dos negócios conseguem captar dinheiro com certa facilidade, o que inevitavelmente induz os investidores a uma má alocação de capital, que resulta no surgimento de negócios que muito provavelmente não conseguirão se manter em pé em um futuro  próximo.

Nas crises anteriores, os investidores se protegiam colocando seu capital nos títulos de renda fixa. Principalmente nos títulos americanos, considerados os títulos mais líquidos e seguros do mundo.

Hoje, com a taxa de juros tão baixa, os ativos livres de risco se transformaram nos ativos livres de retorno. Lembrando que, caso as taxas de juros subam, o investidor perderá dinheiro.

A questão é, para aonde irá se refugiar o investidor que perde dinheiro nos ativos mais seguros do mundo?

Eu não sei. Ray Dalio não sabe. Ninguém sabe.

Conclusão

Creio que a pergunta, após você chegar até aqui é como proteger seu capital do estouro de uma bolha mundial? Essa certamente é a pergunta de 1 trilhão de dólares.

Prever o timing de uma bolha no mercado de ações é um exercício de adivinhação, tendo em vista que todas as grandes bolhas aconteceram de formas diferentes e inesperadas.

No entanto, seria inocência imaginar que uma crise mundial de grandes proporções não nos afetaria.

Os impactos da crise e os movimentos rápidos e desenfreados das bolsas mundiais podem colocar em cheque a carteira de diversos investidores, principalmente as ações de empresas alavancadas e de setores não óbvios, que possuem o potencial de serem as mais penalizadas, como aconteceu na bolha das “.com”.

Além disso, uma bolha no mercado de ações pode, ainda, durar anos e anos para estourar ou até mesmo nunca aparecer.

Veja também: As consequências da alta dos juros no mundo

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