“Não devemos esquecer que a habitação é para morar, não para especular”, disse o presidente da China, Xi Jinping, em 2017. A frase, apesar de possuir mais de 4 anos de existência, deixa bem claro como o Partido Comunista Chinês continua a pensar sobre as especulações.
E falando sobre comprar ativos sem fins de uso direto, mas que remetem a venda futura, com expectativa de lucro, sob condições de incerteza, o que seria mais apropriado do que as criptomoedas.
Desse modo, o mercado de criptomoedas é um dos tópicos que a China vem olhando com desconfiança há muito tempo. Desde dezembro de 2013, a China é contra o Bitcoin. Naquele mesmo ano, o país emitiu um alerta para que bancos não negociassem Bitcoin com os seus clientes. Um mês após o anúncio, a Alibaba, uma das maiores empresas do país, anunciou acatar a medida do Banco Central.
Além disso, em 2017, novamente o país voltou sua atenção ao Bitcoin, realizando o fechamento de suas bolsas locais de moedas digitais e suprimiu um mercado especulativo, proibindo as chamadas “ofertas iniciais de moedas” ou ICOs.
Nesse sentido, as ICOs eram formas de as start-ups levantarem fundos vendendo moedas digitais recém-criadas que, na época, representavam 90% do comércio global de Bitcoins. No entanto, apesar de efetivamente banir criptomoedas em 2017, Xi Jinping deu uma nova vida à tecnologia Blockchain em 2019.
Tecnologia Blockchain
A China tem um histórico de apoiar tecnologias-chave com grandes anúncios sobre como elas devem ser desenvolvidas. Em 2017, o governo traçou um plano de como deseja se tornar o líder mundial em inteligência artificial (IA) até 2030. Com a tecnologia Blockchain não foi diferente.
Por mais que criptomoedas sejam alvo de muitas restrições no país, a estrutura por trás delas interessa o governo chinês que quer utilizá-las para, por exemplo, rastrear mercadorias ou autenticar provas judiciais.
Dessa maneira, respaldados pelo Blockchain, o país busca resultados que incorporem todo o ecossistema digital chinês, que engloba bancos, seguros, saúde, energia, governo, manufatura, varejo, telecomunicações e logística. Dessa forma, a China pretende otimizar a confiança nacional, melhorar as experiências dos clientes e impulsionar o setor de inovação no país.
Fechando o cerco contra o Bitcoin
No dia 18 de maio deste ano, três órgãos financeiros da China, sendo eles o National Internet Finance Association da China, a China Banking Association e a Payment and Clearing Association of China, emitiram uma declaração conjunta, visando as transações financeiras relacionadas ao comércio de criptomoedas e ao controle do crescente risco financeiro dessas atividades.
Conforme o comunicado conjunto, “Recentemente, os preços das criptomoedas dispararam e despencaram, e o comércio especulativo de criptomoedas se recuperou, prejudicando gravemente a segurança da propriedade das pessoas e perturbando a ordem econômica e financeira normal”.
Após a decisão e um recente anúncio da Tesla, o valor do Bitcoin chega a cair quase 50% em comparação a sua máxima histórica. Como resultado, mais de 480.000 pessoas na China liquidaram seus ativos de criptomoeda em apenas 24 horas, o que somou US $5,92 bilhões em valor.
No mesmo dia, o banco central da China, Banco Popular da China (PBOC), emitiu um comunicado proibindo as instituições financeiras de processar qualquer transação relacionada à criptomoeda.
O Comitê de Estabilidade Financeira e Desenvolvimento do Conselho de Estado, que é presidido pelo vice-primeiro-ministro da China, Liu He, emitiu um comunicado que dizia: “reprima o comportamento de mineração e comércio de Bitcoins e evite resolutamente a transmissão de riscos individuais para o campo social” .
Mas essas decisões não puderam impedir totalmente o crescimento do mercado de criptomoedas na China.
Chineses buscam alternativas
Consumo de energia
Atualmente há muitas preocupações referentes ao alto nível de consumo de energia necessário para a mineração de Bitcoin. Para se ter uma ideia, de acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade de Cambridge, a China é responsável por mais de 65% da mineração global de Bitcoins todos os meses, predominante devido à sua energia barata.
As operações de mineração de Bitcoin são nômades, que são transferidas de uma província chinesa para outra para maximizar o fornecimento de energia.
“Mineiros de criptomoeda chineses alternam entre áreas ricas em energia hidrelétrica durante o verão chuvoso e voltam para áreas do norte, como Xinjiang e Mongólia Interior, que são ricas em eletricidade a carvão durante a estação seca”, relatou a mídia estatal chinesa Sixth Tone .
No entanto, apesar do alto consumo da mineração, cerca de 121,36 terawatts-hora (TWh) por ano, já comentamos aqui que essa alegação é um pouco infundada, tem em vista que a maiores consumos de energia elétrica por todo o mundo, incluindo o sistema bancário.
“Se você olhar a atividade bancária na China, milhões ou talvez bilhões de transações acontecem diariamente. De tudo isso … quantos são realmente serviços criptográficos em comparação com restaurantes ou e-commerce? É quase incognoscível ”, disse Bobby Lee, fundador e CEO da Ballet, um aplicativo de carteira de criptomoedas.
Veja também: O consumo de energia do Bitcoin altera seus fundamentos?
Negociação do Bitcoin
Conforme estipulado pelo governo chinês, nenhuma corretora, bolsa e plataforma podem negociar criptomoedas por yuans, mesmo que estejam registradas no exterior. No entanto, os chineses encontraram uma solução para negociar Bitcoin, sem haver violação de nenhuma lei.
A solução encontrada foi negociar Bitcoin através da stablecoin USDT, que é vinculada ao dólar.Dessa maneira, os chineses conseguem adquirir a moeda digital em mercados peer-to-peer, utilizando seus yuans para comprar USDT com cartões de crédito, débito ou transferências bancárias, onde o dinheiro fiduciário será transferido para o exterior antes.
Entretanto, apesar da brecha, a maioria das exchanges que operam dentro da lei, parecem temer o governo chines e não vão permitir o uso de yuans em nenhuma transação.
Veja também: MicroStrategy compra 229 Bitcoins durante a queda
O Yuan Digital
Em meio aos conflitos que envolvem as criptomoedas, no início de 2020, o governo chines em conjunto com as demais autoridades monetárias do país, lançaram o Yuan Digital, a moeda digital centralizada pelo próprio Banco Central (CBDC).
Podemos definir o Yuan Digital como uma versão da moeda chinesa tradicional implantada em um blockchain, tecnologia responsável por sustentar as criptomoedas. Sua criação tem o intuito de eliminar o dinheiro físico no país, tendo em vista que os cartões de crédito, carteiras virtuais e pagamentos contactless têm tornado os papéis obsoletos.
No entanto, há preocupações relativas à adoção dessa moeda digital, onde não apenas os legisladores chineses conhecerão cada escolha feita pelo consumidor na economia, mas também poderão afetar diretamente o comportamento dos gastos, ao tornar a moeda expirável em uma determinada data.
O Yuan Digital passou por testes em várias províncias. Alguns especialistas especularam que a China deseja substituir o papel do dólar americano como moeda de reserva internacional pelo Yuan Digital.
Além disso, analistas afirmam que a recente ofensiva da China contra o Bitcoin ocorre em meio a expectativa do crescimento do Yuan digital, um movimento que alguns analistas dizem que vai “usurpar” algumas criptomoedas.
Conclusão
O contrato social do Partido Comunista Chinês com o povo é baseado na garantia de prosperidade econômica para as massas, o que está por trás da popularidade do partido.
Entretanto, conforme as autoridades chinesas, embora o país esteja supervisionando ainda mais estritamente, os consumidores ainda precisam aumentar sua consciência de risco, não participando de atividades de negociação de criptomoedas exageradas e não acreditando no ‘mito da criação de riqueza’ da criptomoeda.
Em suma, a recente proibição relacionada à criptomoeda apresenta o desafio que o Partido Comunista enfrenta entre explorar as maravilhas do capitalismo e, em simultâneo, garantir as palavras de Xi Jinping.