BlackBerry: Do império a ruína. O que aprendemos com o caso?

Caso você fosse entusiasta de celulares há 10 anos, é bem provável saiba o que é um  BlackBerry e provavelmente até tinha um para exibir por aí. 

A BlackBerry foi uma das maiores vendedoras de smartphones do planeta. No seu auge, em setembro de 2013, havia 85 milhões de assinantes BlackBerry em todo o mundo. Mas, apesar do sucesso chegar apenas no século XXI, a história da empresa começou um pouco antes.

BlackBerry: Sua história 

Ao contrário do que muitas pessoas pensam, a empresa não foi fundada no Japão, Coreia do Sul ou Estados Unidos. Sua história se inicia no Canadá, em 1984, quando os estudantes de Engenharia Mike Lazaridis e Douglas Fregin fundaram a Research in Motion (RIM), especializada em redes sem fio.

RIM era o nome original da empresa, que só se transformou em BlackBerry em 2013. 

Mas foi apenas no começo dos anos 2000, que a RIM começou a crescer, recebendo investimentos e fazendo sua abertura de capital em bolsas do Canadá e de Nova York. 

Durante anos, a empresa funcionou anonimamente, sem chamar muito a atenção. Até que ela se concentrou em uma tecnologia inovadora, através de um dispositivo fácil, seguro e eficaz, permitindo que fosse possível enviar e receber e-mails fora do ambiente do escritório.

O BlackBerry 7210, inaugurou a nova fase da empresa, com um design mais vertical, para ser usado com uma só mão,  tela colorida, conectividade GSM, internet móvel 2G e plataforma baseada em Java. 

Esse modelo de aparelho BlackBerry, atendia principalmente executivos,  que puderam utilizar os seus celulares para mandar emails e acessar a internet de forma dinâmica, fazendo surgir os primeiros conceitos sobre um aparelho inteligente. 

BlackBerry: Do império a ruína. O que aprendemos com o caso?
BlackBerry 7210

A principal mudança veio com o Blackberry Pearl 8100, o primeiro que conquistou não só o mercado business, mas também o consumidor comum. O celular possuía uma trackball no topo do teclado para melhor navegação, que se tornou clássica, além de  possuir duas letras em uma única tecla, economizando espaço, câmera digital e funções multimídia.

BlackBerry: Do império a ruína. O que aprendemos com o caso?
Blackberry Pearl 8100

A BlackBerry, antiga RIM, foi a companhia que praticamente fez nascer o segmento de smartphones.

Com um produto inovador altamente inovador a BlackBerry navegava em um oceano azul, sem praticamente nenhum competidor. Em 2002, as vendas atingiram US$ 294 milhões. Em 2005, pouco mais de três anos depois, esse valor já era de US$ 1,34 bilhão, quase cinco vezes maior.

BlackBerry Messenger

Com tamanho crescimento, a empresa lançou o BBM (BlackBerry Messenger), um sistema de mensagens que não existia em nenhum aparelho. O objetivo era que os usuários se comunicassem não apenas por e-mail, mas usando os “números de identificação pessoal”, os chamados PINs (Personal Identification Number).

O BBM foi o primeiro serviço de mensagens instantâneas construído para dispositivos sem fio e caindo no gosto do público rapidamente. Era confiável, gratuito e os usuários podiam enviar quantas mensagens quisessem sem custo extra, ao contrário das mensagens de texto básicas das operadoras.

Os desenvolvedores do BBM adicionaram alguns elementos inteligentes, que também o tornaram viciante. Por exemplo, os usuários saberiam quando uma mensagem tinha sido entregue e quando tinha sido lido. Sistemas que conhecemos bem hoje, mas eram inexistentes na época.

Com o sistema de e-mails, o aparelho BlackBerry já era unânime entre os executivos. Todos tinham um. Mas através das mensagens do BBM, o produto passou a ser popular também entre os jovens. 

Naquela época a empresa fez com que a comunicação fosse fácil e barata. Tornando a BlackBerry uma das empresas de tecnologia mais valiosas do mundo. 

BlackBerry na Bolsa de Valores 

Com tamanho sucesso, o BlackBerry se tornou um acessório indispensável para executivos, chefes de estado e celebridades de Hollywood. Parecia não haver limites para o uso do aparelho.

 O preço das ações, que em agosto de 2002, era cerca de US$ 1,97, em 2007, estava acima dos US$ 200,00. Nada poderia parar a gigante do setor de telecomunicações, a BlackBerry navegava em um oceano azul infinito.

Ações BlackBerry
Ações BlackBerry – Fonte: Tradingview

Apple: A grande ameaça

Ninguém detinha aquela tecnologia. Pessoas e fundos de investimento passaram a comprar ações da empresa de modo a ganhar com essa história de sucesso. Mas, em 29 de junho de 2007, um evento mudaria para sempre não apenas a BlackBerry como a história da humanidade. Steve Jobs estava lançando o primeiro iPhone da história, um lançamento revolucionário.

Jobs foi além da empresa canadense, tendo a ideia de utilizar uma tela multi-touch para que fosse possível digitar diretamente no display. Desse modo a Apple removeu o teclado físico. 

anuncio primeiro iphone
Anuncio do primeiro iphone em junho de 2007

O novo padrão Apple era composto de telas sensíveis ao toque, o BlackBerry era o seu oposto, com teclados eficientes, mas fixos e pouco flexíveis. Além disso, o iPhone também permitia o envio de e-mail e mensagens.

Apesar da ameaça direta, a empresa ainda vivia bons tempos. Seu faturamento atingiu US$ 11 bilhões em 2009, nove vezes maior que em 2005.

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Jan Koum e Brian Acton

Um ucraniano de família pobre, chamado Jan Koum, após se mudar para os Estados Unidos, entrou na Universidade Estadual de San Jose, onde aprendeu a programar. Lá encontrou seu parceiro de negócios, Brian Acton.  

Os dois trabalharam na durante anos, mas após um tempo, decidiram deixar a empresa e tentar buscar um emprego no Facebook, todavia não tiveram sorte. Após o fracasso, entusiasmados com a nova tecnologia da época, decidiram comprar um iPhone e observaram a loja de aplicativos da empresa, a Apple Store. 

Ambos, naquele momento acreditaram em uma indústria de aplicativos que iria crescer rapidamente. Começaram então a falar sobre fazer um aplicativo de mensagens no qual as pessoas tivessem seu status ao lado de seus nomes.

Neste aplicativo seria possível enviar mensagens de maneira rápida, simples e gratuita. Em novembro de 2009, após meses de testes, o WhatsApp foi lançado na Apple Store para iPhones. 

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A simplicidade do WhatsApp logo o fez se tornar muito popular. Por um momento, o BBM foi o aplicativo que o mundo usava para se comunicar. Ele era a solução. A grande questão é que ele só permitia que os usuários se comunicassem com outras pessoas que também possuíam um BlackBerry. Ou seja, era um sistema fechado.

Já o WhatsApp funciona em qualquer aparelho e assim que lançado, muitas pessoas migraram para o novo aplicativo. Rapidamente, o WhatsApp começou a atrair milhões de novos usuários a cada mês. Em fevereiro de 2014, o Facebook, mesma empresa que anos atrás, havia dito não aos fundadores da empresa de mensagens, declarou que estava adquirindo o WhatsApp. O acordo saiu por US$ 19 bilhões, a maior aquisição do Facebook até então.

Com a ascensão do WhatsApp, acontecia a queda da BlackBerry, que já estava ultrapassada. Neste mesmo ano, o preço da ação da BlackBerry, que em seu auge chegou a valer US$ 230,00, atingia míseros US$ 9,00. 

Ações BlackBerry
Ações BlackBerry – Fonte: Tradingview

Qual aprendizado tiramos dessa história? 

É importante ressaltar que anteriormente ao surgimento do iPhone ou do WhatsApp, a era praticamente unânime no mercado. A BlackBerry era um caso de sucesso e não havia por que temer pelo seu futuro. A recomendação era comprar ações da empresa que não paravam de se valorizar. Em poucos anos, a ação disparou e, se acordo com Wall Street, subiria muito mais. Alguns anos depois, vemos que não foi isso o que aconteceu.

Olhando do retrovisor, parece ser fácil de explicar, mas, na época, eventos como esse pareciam impossíveis de acontecer. Podemos denominar tais eventos como Cisnes Negros. A teoria do cisne negro é uma metáfora que descreve um evento com três características:

▪ Ele vem como uma surpresa e sua previsão é quase impossível.

▪ Tem efeitos de grande magnitude.

▪ Após o seu acontecimento, ele parece óbvio.

Essa teoria foi desenvolvida por Nassim Nicholas Taleb, estatístico e analista de risco. Taleb explica a sua teoria através de casos em seu livro que recebe o nome de “A lógica do Cisne Negro”.

Nassim Nicholas Taleb

Veja também: As principais lições de Nassim Taleb

O termo é baseado na antiga ideia que presumia que cisnes negros não existiam. Antes da descoberta da Austrália, as pessoas do Antigo Mundo estavam convencidas de que todos os cisnes eram brancos. Esta era uma crença inquestionável e era absolutamente confirmada por evidências empíricas. 

A ideia era simples: todos os cisnes deveriam ser brancos, pois todos os registros históricos de cisnes relataram que tinham penas brancas. Nesse contexto, um cisne negro era impossível ou pelo menos inexistente.

No entanto, em 1697, exploradores holandeses, liderados por Willem de Vlamingh, avistaram cisnes negros, na Austrália Ocidental. Daí o termo “Cisne Negro” para conotar a ideia de que “não é porque algo não é visto ou ainda não aconteceu que ele não existe e nem vai acontecer”.

Taleb estendeu a metáfora para diversos outros exemplos, desde o mercado financeiro a eventos do cotidiano. Ele considera praticamente todas as descobertas científicas, eventos históricos e realizações artísticas como “cisnes negros”. 

Conclusão 

Desse modo, podemos dizer que a invenção do iPhone e do WhatsApp também foram cisnes negros. Mas, parece que as pessoas se recusam a aceitar que eventos aleatórios, fora do nosso controle, aconteçam. Sim, eles acontecem mais frequentemente do que imaginamos. E são eles que causam os grandes impactos no dia a dia.

Forço-te a refletir em algumas situações da sua vida. Com toda certeza, houve algum momento em que eventos aleatórios e fora do nosso controle tiveram grande impacto no seu destino. 

A BlackBerry foi uma empresa clássica que ajudou a criar a indústria de smartphones, chegou ao seu auge e foi praticamente destruída por essa mesma indústria, anos depois. Saber e reconhecer a importância destes eventos pode evitar que histórias como da BlackBerry te peguem de surpresa.

Pode parecer simples, mas muitos insistem em não acreditar no poder do aleatório. Na grande maioria das vezes o resultado é quase sempre o mesmo: fracasso.

Questiono você, caro leitor, estaria preparado para as aleatoriedades da vida? Ou estaria do lado daqueles que acreditavam que a Blackberry, a Kodak e tantas outras empresas que no atual momento estão falidas atualmente, nunca morreriam. 

Aprenda e aplique seus conhecimentos nos seus investimentos, mas de maneira nenhuma acredite que eles são imutáveis. É preciso sempre refletir sobre as generalidades e cenários variados. 

Somente assim será possível observar claramente as oportunidades, mesmo que os cenários sejam os mais improváveis.

Em suma, o surpreendente não deve ser visto como uma adversidade, mas sim como uma possibilidade real, com aberturas para novos caminhos.  

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