Após intensa queda da bolsa no Brasil, por volta do final de fevereiro até o fim de março, ela começou novamente a galgar uma recuperação forte e gradual durante todo o ano de 2020, com a volta de grande capital estrangeiro entrando na bolsa, principalmente mais próximo do final do ano.
Com essa retomada, começou um grande interesse das empresas criarem IPOs, o que criou uma grande fila das mesmas. Em agosto deste ano, a quantidade de IPOs para iniciar uma abertura de capital no mercado estava por volta de 40. Em outubro, esse número já havia aumentado para 50.
Entretanto, apesar desse otimismo e a busca por maiores investimentos nas companhias, também chamou a atenção durante esse período foi uma crescente onda de desistências de IPOs, ao passo que o mercado não estava disposto a pagar o preço que as empresas colocaram nas cotações iniciais de suas ações.
Empresas com metas de recuperação financeira, ou então com objetivos de investimento e aprimoramento de caixa e de novas aquisições, acabam tentando arrecadar uma boa quantia de capital justamente se expondo na bolsa de valores.
Até outubro deste ano, aproximadamente R$40 bilhões foram movimentados na bolsa por conta das novas IPOs que surgiram, segundo consta os dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais.
Entretanto, apesar da grande quantidade de IPOs que surgiram durante o ano, o número de delas que acabaram desistindo da bolsa de valores também tem sido crescente, e isso pode ser explicado, dentre outros motivos, pela cautela do mercado e dos investidores em investir em IPOs no cenário atual, além da exigência crescente de possíveis acionistas quanto a escolha dos seus investimentos.
Apesar disso, há também outros fatores que fazem com que, segundo constam as informações da Comissão de Valores Mobiliários, 10 IPOs já tenham desistido da B3 até o final do mês de outubro e que chegaram a 19 no mês de dezembro, quase dobrando a quantidade.
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Mas por que as empresas desistem de suas IPOs?
Primeiramente, fracassar na oferta por suas ações iniciais, pode criar um pessimismo no mercado quando esta fizer novas tentativas de recuperação de investidores no mercado financeiro e buscar por capital depois de um tempo.
De forma simples, seria o equivalente a dizer que isso acaba “queimando” um pouco a reputação da mesma no mercado de capitais para o futuro. Afinal, os próprios investidores acabam tendo uma tendência maior a se expor menos a ativos com as quais tiveram grandes perdas, embora isso não seja uma regra de forma alguma, porém, é um ponto a se considerar.
Sendo assim, a ideia aqui de apenas tentar conseguir que a abertura de capital aberto venha a vingar sem tantas perspectivas de sucesso não é um caminho muito favorável que as empresas tendem a seguir, desse modo, muitas acabam postergando essa oportunidade para mais adiante, em um cenário mais otimista.
Os próprios investidores acabaram notando que diversas empresas querem abrir capital aberto na bolsa, mas com preços acima do que realmente valem para suas ações que estão sendo oferecidas, e assim, muitos acabam desistindo da ideia de investir nelas.
Desse modo, algumas empresas acabam sendo obrigadas a abrir mão um pouco de suas expectativas altas no mercado financeiro, realizando ajustes na avaliação de seu valor de mercado, para que assim, possa novamente dar uma oferta mais atrativa a seus possíveis futuros acionistas.
Entretanto, algumas vezes essa oferta acaba abaixando demais em busca de novos investimentos, pelo menos na visão objetiva dos empresários responsáveis pelas empresas, de tal forma, que acaba ficando inviável até mesmo para ela continuar com isso, e pouco compensatório em relação aos seus objetivos para aquisições futuras.
E é assim, que algumas empresas acabam desistindo da bolsa e de iniciar suas IPOs, outras acabam adiando para alguma outra oportunidade no futuro. Isso acaba ficando ainda mais perceptível, ao passo que os investidores de renda variável, mesmo em maior número ano a ano, têm se tornado cada vez mais exigentes e seletivos com as empresas que investem.
Dentre as desistentes de 2020, temos por exemplo a Havan, que por sua vez, cancelou a IPO antes mesmo da reserva ter sido realizada. Nesse caso, a expectativa frustrada em relação aos preços que os investidores estavam dispostos a pagar, foi um dos fatores fundamentais para que a Havan cancelasse sua IPO.
Os próprios bancos que assessoraram a Havan preferiram aconselhar o adiamento da reserva por conta disso. Mas nesse caso, um fator que pesou muito na desistência foi justamente a análise do mercado a respeito da atuação da empresa, que em comparação com concorrentes do setor, como a Magazine Luiza, ainda é muito ultrapassada em relação ao E-commerce.
Outra questão, que pode ser associada também a outras empresas para que investidores tenham uma cautela maior de investir nelas, é justamente uma figura central como mandatário principal, que no caso da Havan seria Luciano Hang, que tem uma atuação política bastante presente no cenário brasileiro, o que faz com que os possíveis acionistas fiquem mais receosos com seus investimentos nela.
O exemplo da Havan, acaba refletindo alguns motivos pelos quais IPOs acabam tendo desistência de abrir capital na bolsa. Mas o fator econômico e político em 2020 também refletiu bastante para acontecer essa onda de cancelamentos.
Os receios que ficaram por meses perdurando entre os investidores a respeito dos riscos fiscais e a dúvida do respeito ao teto de gastos por parte do governo, acabou prejudicando a perspectiva de um viés positivo para a economia no futuro, o que também prejudicou a abertura das novas IPOs.
Por fim, a viabilidade de uma IPO só pode acontecer a partir do momento que os fatores que englobam tudo que foi falado até aqui, junto com a questão central de aliar os interesses de captação de recursos da empresa com a intenção de compra de ações do investidor, que por sua vez, deve considerá-las a um preço justo e condizente com a realidade da empresa e com as perspectivas de futura para ela.
Outras empresas que suspenderam ou cancelaram suas IPOs durante o ano de 2020, segundo informações da CVM, temos:
Outro ponto importante em relação a essa perspectiva do grande número de desistências de IPOs, é que o ano de 2020 só não foi superior ao ano de 2007 no número de empresas com novas aberturas de capital, totalizando 26 este ano. Isso pode ser visto nos dados da tabela a seguir, que tem como fonte a própria B3:
Desse modo, vale salientar que foi um ano bastante relevante tanto para o sucesso de novas IPOs abertas, como também, como estamos tratando aqui, do número de cancelamento de muitas delas.
A consciência do investidor dos riscos em se expor a IPOs tem aumentado
De início, muitas empresas acabam conseguindo grande valor de mercado, através da venda de suas ações na bolsa de valores pelo preço que escolheram se expor ao mercado financeiro.
De acordo com a arrecadação recebida, essas IPOs podem inclusive valorizar muito o preço de suas ações depois de algum tempo, ou até mesmo de forma imediata, como tem sido visto principalmente em alguns casos extraordinários da bolsa americana nos últimos tempos.
Porém, esse grande número de IPOs, principalmente aqueles que criam valorizações estratosféricas logo de início, acabam criando bolhas aos quais uma hora ou outra o investidor pode ser pego desprevenido, e assim, acabar perdendo muito dinheiro quando essa bolha estourar e o preço inflado anteriormente de forma artificial vir abaixo de uma vez só.
Outras nem chegam a deslanchar logo de cara, e acabam se mantendo estáveis por um bom período, apresentando crescimento contínuo e muita das vezes de forma lenta e gradual, até que essas altas acabam não se sustentando por conta dos avanços das empresas, que às vezes não acompanham o otimismo de seus investidores quando investiram em suas IPOs.
Dessa forma, muitas empresas acabam se desvalorizando muito abaixo do seu valor inicial, de modo que seus acionistas, que nada mais são do que os sócios dessas empresas, acabam arcando com os prejuízos da mesma.
Sendo assim, é preciso ter muito cuidado ao se investir em uma IPO, afinal, o otimismo que a acompanha inicialmente deve ser sustentável à medida que possa ter um bom projeto de crescimento e de gestão a longo prazo.
Estudar o projeto com o qual a empresa possui, observar onde ela está colocando o dinheiro de seus acionistas, além de ter um acompanhamento contínuo das IPOs adquiridas, são passos fundamentais para saber tanto o momento de continuar comprado nessas empresas, como também a hora certa de sair delas e não perder dinheiro.
A consciência cada vez maior desses riscos, faz com que os investidores tenham criado certa cautela em das empresas que investem, e isso faz com que algumas IPOs adquiram volume de investimentos bem abaixo do esperado, desvalorizando o preço de suas companhias.
Com esse fenômeno acontecendo com cada vez mais frequência, as próprias IPOs tem desistido prontamente de abrir capital na bolsa quando há alguma dúvida de seu sucesso por lá, desse modo, não só os investidores têm estado mais cautelosos nas empresas que investem, como também as próprias empresas têm ficado mais conscientes antes de tentar entrar de fato na bolsa de valores.
Embora tenha sido grande a fila de IPOs durante o ano de 2020, o número das que continuam suas tentativas até o final acabam não sendo tão altas assim, pelo menos levando em conta a proporção em relação ao total do ano, por todos esses fatores com os quais reiteramos aqui.
Conclusão
É essencial entender a importância das IPOs para atrair investimentos e poder alavancar futuramente uma empresa, ao passo que existe também o outro lado, que é o dos investidores, que têm ficado cada vez mais cautelosos e também exigentes em relação a ao lugar que estão colocando seu dinheiro e a propensão a riscos.
O cenário de incertezas econômicas em 2020, tanto em relação ao teto fiscal, quanto das questões que tangem a falta de prazos definitivos para o fim de uma pandemia devastadora para a produção do país, fizeram com que muitas empresas com planos para abrir capital na bolsa acabassem desistindo.
Embora esse número de cancelamentos de IPOs tenha crescido bastante até o final do ano, o fato é que muitas delas podem acabar voltando em 2021. O fato é que o número de desistências só nos demonstram, a princípio, que pelo menos alguns empresários podem estar enxergando que sua empresa tem a possibilidade de valer muito em alguma situação futura.
De fato, olhando por esta perspectiva, o número de cancelamentos de IPOs deve ser explicado, principalmente por se tratar de um ano atípico, cheio de questões nunca antes vistas na economia e mercado, ao passo que a forma com que os investidores pensam em seus investimentos também acabou mudando.
Sendo assim, o fato de haver muitas desistências não significa necessariamente um fator ruim para 2020, mas sim, em alguns casos, de resiliência dos próprios empresários em dar um passo atrás no mercado, a fim de ter um crescimento mais sustentável num prazo mais a frente, possibilitando rendimentos maiores a empresa e aos seus possíveis.